sábado, 5 de fevereiro de 2022

Douglas (Distributista Cristão): o problema de Kant e de ateus que acham que podem o usar sem serem religiosos


Introdução:

Algumas pessoas não sabem dizer se sua ética (de Kant) é ou não derivativa do ser.

1) Primeiro ponto: o que é uma derivação do ser?

É dizer que se algo é assim, portanto deve ser assim. O exemplo mais fácil que posso falar é o próprio senso comum: "se você não quer que te machuquem, portanto você não deve machucar os outros".

Kant diz isso, ele cria a ética normativa da deontologia a partir do que o homem busca para si.

Muitos aqui já podem ter feito uma objeção ao que eu disse:

"Mas falar que não pode machucar pois não quer ser machucado, não torna o parâmetro relativo ao próprio ser? E se alguém quiser ser machucado? Então ele pode machucar?"

Resposta: poderia ocorrer, e a investigação em Kant prosseguiu, pois agora faltaria somente conseguir demonstrar que ninguém quer ser machucado.

2) Segundo ponto: imperativo categórico.

Kant acredita que a pessoa só consegue racionalizar o que é ruim através do que ela julga para si ser ruim ou não. Você só racionaliza que bater ou dar carinho é ruim ou bom pois você gosta de receber carinho e não gosta de apanhar. E, portanto, você age imperativamente para o seu próprio bem. Você nunca vai querer apanhar, mas se isso é um processo da razão humana e a razão humana para Kant tem alguns conceitos transcendentalistas, ou seja, não é integralmente dependente da experiência sensível, mas é apriori, significa que todos os homens passam pelo mesmo processo noético, e consequentemente todos os homens agem imperativamente da mesma forma. Só que o homem racionaliza primeiramente para si, apesar do homem observar que bater é ruim pois ele apanhou uma vez e não gostou, ele não necessariamente está exteriorizando isso ao outro e então ele bate.

3) Talvez o homem só bata para evitar que apanhe, portanto, apesar dele já ter entendido que bater é errado, ele vai bater por auto-preservação, ele só bate pois ele acha que o outro irá bater, se ele tivesse a certeza que o outro não bateria, ele também não o faria. Portanto, ele gostaria que não bater fosse uma lei universal.

4) Se todo homem individualmente quer que não bater seja lei universal, ele deve agir normativamente de forma que faça primeiro para si, portanto, nenhum homem deve bater.

5) Ad absurdum: para Kant, a dedução da moral deve derivar de suas máximas e não de suas consequências, ainda que alguém me fira e, portanto, eu o feriria antes para me proteger, eu estaria observando um cenário em que ferir ele foi bom para mim, mas essa consequência é um fenômeno. Para saber se ferir é bom ou não, eu devo o levar para sua máxima e hipostasiar um cenário onde todos ferem a todos, e somente nesse cenário eu vejo que ferir é ruim, logo, mais uma vez, não se deve ferir.

O ponto importante é que: como garantir que todo ser humano está passando pelo mesmo processo noético?

Kant era deísta, acreditava em Deus e acreditava que Deus dotava o homem da capacidade da razão, e se é Deus apriori ao mundo sensível e infalível, logo o dom da razão era infalível. Então, isso só funciona para Kant pois tem a metafísica por trás do próprio jusracionalismo.

Isso está sim derivando o dever ser do ser, apesar de isto não estar derivando somente da experiência sensível, existe um juízo sintético, que não se pode provar, mas que participa apriori da experiência sensível. É uma abordagem metafísica que deriva algo da própria física (mundo sensível).

Hume só dizia que não se pode derivar "dever" do "ser" pois era empiricista e não acreditava na abstração, ele acha que não pode derivar dever do ser pois ele não acredita em nada apriori ao ser. Kant está saindo completamente pela tangente, saindo da crítica de Hume, isso não torna a ferramenta de Hume errada, isso apenas diz que vai depender da prerrogativa:

Você só conseguirá derivar dever do ser se: ter algum conceito transcendental, apriori e sintético ao próprio ser.

Torna-se ridículo o uso de ética derivativa somente quando o cara não compreende transcendentais em sua forma de derivação. Quando um ateu cientificista tenta fazer esse tipo de derivação, aí sim ele cai certinho na guilhotina do Hume. Aí tem gente ateísta usando Jusracionalização, deontologia e derivando dever do ser... E achando que é kantiano... Sem saber que mesmo para Kant, isso só era possível acreditando em Deus.

Apesar de Kant bater em Descartes, ele só é capaz de deduzir isso usando Descartes, ele pega Descartes e o retifica.

Por isso o idealismo transcendental de Kant é ensinado de forma pedagógica, como se fosse a junção do racionalismo e do empirismo pois Descartes era racionalista e viciado em hipostasia. E só fazia isso pois considerava que a mente era diferente do corpo pois era cristão, acreditava que a capacidade da razão humana vinha do espírito, se o espírito não é da mesma substância do corpo sensível, e se o processo gnosiológico é feito pelo espírito, logo o processo epistemológico tinha que ser dedutivo, racional.

Depois vem Hume, querendo bater em Descartes (eu não sei dizer a vocês se Hume era ateu, mas, Hume estará talvez trazendo Ockham de volta ao debate), e então usa a navalha de Ockham para excluir de seu processo gnosiológico e epistemológico e ético qualquer coisa apriori ao processo sensível pois, tal qual o nominalismo de Ockham, as abstrações eram flatus vocis e não tinham caráter probatório, portanto era preferível não confiar em nenhum método que dependesse de algo que separa mente de corpo, para ele o processo era integralmente empírico, portanto, ele cria a guilhotina, pois ela é derivada da própria navalha de Ockham.

Derivar dever do ser para ele implica em tudo. Por exemplo, na epistemologia ele dirá que você não pode hipostasiar, não pode fazer uma dedução imaginando um cenário que não se experimenta de forma sensível. Ele diria para um anarquista o seguinte: "não se dizer que anarquia seria melhor que com o estado pois, você nunca viu a anarquia, nunca a experimentou e portanto não tem como concluir nada epistemologicamente sobre ela, experimentar o estado, ver que o estado é ruim, não torna possível dizer que sem o estado seria melhor pois é uma hipostasia, isso é derivar dever ser do ser. Imagine: existem dois picolés, um de uva e um de morango. Você experimenta o de uva, acha ruim, e então diz o de uva é ruim, então o de morango deve ser melhor".

Você não experimentou o de morango, você não pode concluir nada sobre o de morango por ter experimentado o de uva.

Se voltarmos lá atras, no 5), o Ad absurdum é uma hipostasia, é preciso partir do pressuposto que o homem poderia realmente imaginar um cenário em que todo mundo se fere, mas Hume dirá que o homem não tem como imaginar um cenário que ele nunca viu. Que ele erraria e imaginaria coisas que não são elas em si. Aqui, terá um discernimento entre imperativo hipotético e imperativo categórico. Hume dirá que você só consegue. É claro que a razão pode mostrar-nos que meios usar dados os fins que temos. Se quero ter saúde, a razão pode dizer-me que devo parar de fumar. Neste caso, a razão fornece um imperativo que na sua forma é hipotético: diz que devo parar de fumar se quiser proteger a minha saúde. Hume pensava que a razão não pode fazer mais do que isto.

Então, Hume iria dizer que a ética (que se deriva do que se deve ser feito pelo ser) não é possível, pois ele não acredita na hipostasia, pois hipóteses são abstratas e abstrações são flatus vocis.

Todavia, Kant defendeu que as regras morais são categóricas na sua forma, e não hipotéticas. Um ato que é errado, é errado — ponto final. As regras morais dizem “não faças x.” Não dizem “não faças x se o teu fim é G”. Kant tentou mostrar que as regras morais — os imperativos categóricos — derivam da razão tão seguramente como os hipotéticos.

O que Kant faz, é sincretizar Hume a Descartes pela percepção que a crítica de Hume, apesar de ser boa, só existe graças ao nominalismo que não acredita no abstrato, mas se Kant acredita em algo sintético apriori, logo não cai na guilhotina.

Eu falei de Hume outro dia e ninguém sabia dizer que a guilhotina dele era para fazer juízo ético ou para epistemologia, falaram : "mas hur dur a guilhotina de Hume é só pra ética, não tem nada a ver com epistemologia" Como nada a ver? Tem tudo a ver.
Parem de ficar debatendo filosofo x e y sem saber todas as concepções dele, você não pode debater filosofo x pela perspectiva epistemológica dele sem saber a perspectiva gnosiológica dele e por aí vai.

Falar que Kant cai em Hume pois a ética de Kant é derivativa, é ignorar que a guilhotina de Hume só existe por uma questão de conceito nominalista, mas Kant é transcendentalista, logo não cai.

Conclusão: quando Olavo e outros filósofos conservadores falam que Descartes, Kant, etc. criaram uma degeneração, pois os ateus adoram usar estes 3, é somente porque esses ateus usam eles dentro da epistemologia sem entender que a epistemologia deles deriva da gnosiologia deles e que a gnosiologia deles depende de sua metafísica. Portanto, usar Descartes ou Kant sem ser metafísico é burrice. O que eles dizem só faz sentido dentro da concepção metafísica deles. Não é culpa nem de Descartes e nem de Kant, é culpa de gente que distorce eles e ignora que eram todos cristãos. Ver gente citar Descartes para negar a realidade me dá dor no coração. Ver gente ateísta fazendo derivação dever ser de ser da forma que Kant fazia sem adotar a metafísica dele me dói mais ainda.

Texto do Douglas:

Nenhum comentário:

Postar um comentário