quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Douglas (Distributista Cristão): dialética e a possibilidade do conhecimento do ser-em-si (absoluto) de Platão a Hegel

 

Platão chamava de dialética o processo do diálogo pelo qual a alma se eleva transcendentalmente, da aparência sensível a realidade numênica.

Para Platão, a alma de todo ser humano já conhece o ser-em-si, ou seja, o ser enquanto ser que existe no númeno, entretanto, quando a alma encarna no corpo ela sofre um "trauma", e o indivíduo, portanto, não nasce lembrando do que a alma conhece. É necessário relembrar, Platão chama o relembrar de reminiscência, a reminiscência é o fenômeno que se dá quando o homem alcança o aquilo que há no mundo das idéias. Há um método para causar a reminiscência, este método é chamado de maiêutica, maiêutica significa "parto". Se a alma possui o conhecimento e o homem precisa trazê-lo para fora, então é como uma grávida que pare um filho, por isso que relembrar o que a alma sabe é análogo a parir. Quem realiza o parto das ideias nos diálogos de Platão é Sócrates. Perceba, Platão escreve em diálogos, todo diálogo é um processo dialético, logo, a maiêutica socrática é necessariamente uma ferramenta dialética. Sócrates realiza perguntas sistematicamente, de forma que cada pergunta conduza o pupilo a ter de dar uma resposta que acabe contradizendo a anterior, assim, se o pupilo realiza uma proposição e se Sócrates faz uma pergunta sobre essa proposição de forma que, quando o pupilo a responde acaba por sem querer contradizendo a proposição anterior, prova-se que sua proposição era falsa, afinal, aquilo que pertence ao numênico é o ser em si e portanto irrefutável e impossível de contradição.

Sócrates em Órganom e retórica, demonstrará o porquê é possível por este método socrático, provar ou refutar uma proposição, além disso, ele sistematizará o método, criando a análise lógica proposicional, que consiste num quadro de lógica binário, praticamente percursor da lógica booleana.

Aristóteles dirá que as três leis da lógica são:

1) Princípio de identidade;

2) Princípio da não contradição;

3) Principio do terceiro excluído.

Não é possível com uma única proposição analisar se ela é compreendida nos três princípios, saber se algo é contraditório é necessariamente comparar este algo com outro, assim como propor a identidade de algo, é necessariamente negar a este algo identidade com quaisquer outra coisa, é por isso que é necessário pelo menos duas proposições a respeito de um ser. E é por isso que a análise lógica é necessariamente um dialogo, porque uma pessoa faz uma proposição afirmativa, e cabe a outra fazer outra proposição, com fim de demonstrar aporias na anterior, seja com a identidade, com a contradição ou com o terceiro excluído.

Aristóteles dirá que uma afirmação sobre algo ou é verdade ou é falsa, por isso a lógica aristotélica é dita binária, não sendo possível uma terceira alternativa, por isso " terceiro excluído".

Essa ideia de Platão, de que pertence a alma o conhecimento do supra-sensível, no numênico, é algo que irá estar presente em vários filósofos posteriores, como santo Agostinho, Kant e Hegel, direi a seguir suas distinções.

Platão, porém, não reduz a possibilidade de alcançar o conhecimento supra-sensível pelo dialogo, Tanto Platão quanto Sócrates procuravam os Oráculos de Delfos para tirarem dúvidas a respeito do que é da realidade divina, pois acreditavam que os Oráculos tinham acesso a estas, com uma mediunidade, fruto de uma elevação espiritual, que lhes permitia olhar diretamente ao mundo das ideias.

Sócrates, portanto, era um homem sábio porque tinha contato regular com os Oráculos e por isso era um homem de espiritualidade elevada e que sabia muito da realidade numênica, é por isso que ele podia fazer despertar os outros, sendo um parteiro de ideias.

Muito tempo depois, santo Agostinho, um filósofo e teólogo que, antes de sua conversão, flertou com o neo-platonismo, trouxe o neo-platonismo como ferramenta de exegética bíblica, interpretando a bíblia com uma linguagem platônica. Perguntando-se o porquê tantas culturas que nunca tiveram acesso a Cristo manifestavam valores morais próximos, como não matar, caridade, não roubar etc., ele dirá que Deus imprime na alma humana a lei. Essa lei, impressa na alma humana, é chamada regra de ouro. Portanto a lei já está dentro de nós, assim como o conhecimento do mundo das ideias já estava dentro da alma dos homens para Platão. As pessoas acessam, com maior ou menor clareza, as leis de ouro, o que distinguirá a clareza desse acesso é o quão a alma da pessoa é elevada. A elevação da alma se dá pelo processo de iluminação, onde a luz de Deus, pela graça, ilumina nosso intelecto de forma que ele entende as leis de Deus com maior clareza. Percebemos que assim como os Oráculos de Delfos tinham acesso ao supra-sensível pela prática de elevação da espiritualidade, os sacerdotes cristãos, portanto, tem acesso ao supra-sensível, de forma mais clara que os leigos, devido a elevação da alma pela graça de Deus. Para os neoplatonistas, a elevação da alma dos Oráculos se dava pela pratica litúrgica, pelo sacrifício, e por outras práticas relacionadas ao exercício da mediunidade.

Para santo Agostinho, a elevação da parte intelectiva da alma (intelecto) do sacerdote cristão se dá pela penitência e pela prática mística cristã, como jejum, oração do terço, orações no geral, comunhão etc.

Santo Tomás de Aquino trará o aristotelismo de volta, e relembrará que o acesso as verdades supra-sensíveis não se dão somente pela mística cristã, também se dá pela lógica, pela razão. A teologia é, necessariamente, fruto do debate entre aqueles dedicados a lerem e interpretarem a bíblia, então a aliança entre a exegética e hermenêutica bíblica, que é a aplicação da lógica aristotélica aos textos bíblicos, junto a iluminação da alma e/ou intelecto e/ou razão (Aquino não faz a distinção entre razão e intelecto que Agostinho faz, para ele é a mesma coisa) fazem com o que os cristãos tenham maior clareza sobre a moral, as virtudes e a ética do que os pagãos, tanto porque Deus revelou sua palavra, tornando possível que a gente a estude e faça um exercício lógico (dialético) para a interpretar, tanto pelo acesso direto as leis impressas em nosso coração pela prática da liturgia e da mística católica.

Kant compreende , não muito diferente dos anteriores, que a regra de ouro está impressa nos nossos “ corações” (que para Kant é chamado apenas de razão, pois é a parte intelectiva da alma humana), e que portanto todo ser humano, seja ele cristão ou não, independente de mística ou de prática litúrgica, é capaz de alcançar a “regra de ouro”, que ele chamará de imperativo categórico, que são as leis éticas, alcançadas pela razão por dedução. Perceba, não é necessário debate, não é necessário dialética ou iluminação ou elevação do espírito, é necessário somente a aplicação da pura lógica para alcançar o imperativo categórico, imanente a razão de todos os homens.

Hegel, diferente de todos os anteriores, dirá que o espírito de Deus é “vivo”, no sentido de que ele é presente no tempo, que é imanente ao tempo e a história , e que portanto se relaciona com o ser humano a todo momento, é por isso que todo ser humano tem valor moral, e as culturas distintas tem valores morais distintos porque é o espirito de Deus imanente a própria cultura, revelando-se de forma fenomenológica e dialética ao ser humano. Conforme as sociedades humanas relacionam-se entre si, surge a manifestação dialética, em que as morais distintas se superam e tornam a se manifestar como a síntese das anteriores. Então, enquanto Aristóteles diz que o Dialogo entre dois pensamentos diferentes torna por afirmar um deles ou negar ambos, porque só existe o certo ou o errado, não uma terceira hipótese (terceiro excluído), Hegel está dizendo que a lógica funciona, sim, com a contraposição de duas hipóteses mas que não há somente um binarismo, o que há, é que as duas hipóteses negam a si e transcendem a uma terceira hipótese que é a negação das duas anteriores (em termos mais leigos, a síntese é o justo meio proposto pela tese e antítese). Então aqui, em Hegel, As relações humanas culturais, isto é, um diálogo e, portanto, algo dialético, faz surgir sistematicamente novas sínteses, e isso tem caráter sistemático transcendental, em que o espírito presente imanente a história e a cultura eleva-se de um caráter fenomênico em direção a um caráter absoluto.

Em Hegel, portanto, não é como se a alma humana tivesse nela impressa um conhecimento de leis de Deus que são pré determinadas no mundo supra-sensível, na realidade divina, mas sim que a alma humana está, temporalmente, em eterno contato com a lei , porque a própria lei, ou, o próprio espírito de Deus se relaciona dialeticamente com o homem. Não é que Deus seja mutável e que suas leis sejam relativas, mas é que Deus, tal como no cristianismo, é tríplice, e a trindade cristã é compreendida pelo:

• Absoluto numênico (Deus em caráter supra-sensível ontológico);

• Fenomênico – sensível (Jesus, a manifestação materializada de Deus);

• Fenomenológico – imanente (Espírito).

Assim, apesar de Deus enquanto absoluto ser determinado, imutável e atemporal, o espírito de Deus, ao manifestar-se dialeticamente na história, pelas sociedades humanas, adequa-se a tais realidades, para conduzir tais culturas, pelo processo dialético, de forma dialético-transcendental de volta ao absoluto.

Texto do Douglas:

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